sábado, 20 de maio de 2017

Acima das tradições e das revoluções



Cristo se manifestou como Palavra de Deus, encarnada entre os homens, para que tudo o que se possa conhecer de Deus Pai tenha no Filho o ponto de partida para sua compreensão. 

A religião, em seu sentido mais original, que traz a ideia de "religar", na maioria das vezes se ufana ao ponto de querer substituir a Palavra encarnada, como ponto de partida para compreensão de toda a vontade de Deus, por suas tradições e costumes, que se revestem, nesse meio, das mais diversas formas. 

Jesus não se levantou contra nenhuma tradição que trouxesse em si uma essência proveitosa para a vida. Até porque a tradição nada mais é que um meio de comunicação entre as mais diversas gerações, pois é ela quem conserva os costumes e conhecimentos de uma cultura que se desenvolvem através do modelo pragmático de "tentativa e erro". Assim, quanto mais tradicional um grupo, mais princípios que foram construídos e desenvolvidos ao longo do tempo o compõe. 

Tradição, portanto, tem tudo a ver com o ato de conservar; daí que a atitude revolucionária tem por máxima implodir todos os resquícios da cultura anterior que justificaram esse comportamento insurgente. 

Nesse sentido, Jesus nunca se posicionou como um revolucionário que impunha qualquer tipo de ideologia que se propusesse a uma readequação da moralidade objetiva. Não. Muito pelo contrário, sua mensagem só pode ser considerada revolucionária se entendida como algo que confrontava o subjetivo de cada um - e não o mundo dos costumes, que envolve a objetividade do contexto social - pois Ele sabia que somente uma consciência absolutamente restaurada poderia modificar, no exterior, o que precisava ser realmente transformado, não necessariamente substituindo os costumes, mas os purificando, se possível, ao colocá-los a serviço do Amor. 

O Evangelho é a revolução da consciência - e somente assim pode ser entendido como revolução. 

As revoluções ideológicas, ao contrário, concentram seus esforços em tentar adequar o comportamento coletivo por meio da destruição das tradições e valores do modelo anterior através da substituição destes por um novo conjunto de tradições e valores.  

Era disso que Jesus estava a tratar em Mateus 15 e sobre o qual Paulo igualmente discorreu em Colossenses 2. No contexto desses textos, o Evangelho não tem como objetivo substituir ou readequar as tradições de ninguém; entretanto, seu empenho está exatamente em restaurar o significado para a vida contido na sabedoria implícita das tradições, sem, no entanto, torná-las maior que sua própria finalidade, qual seja, o bem da vida. 

É por isso que o que contamina o homem não é o que vem de fora, mas o que procede de seu coração; de igual modo, é também por isso que todas as coisas são puras para os puros! 

Cristo é a raiz de toda a sabedoria do Pai - e todas as coisas colocadas a Seu domínio, tendo no amor sincero, justo, sábio, zeloso, gracioso e misericordioso sua motivação, são absolutamente santificadas, ainda que isso signifique em determinado momento se contrapor ao comportamento tradicionalmente preestabelecido pra aquela situação. 

No Evangelho, as tradições - com toda sua carga moral e religiosa - deixam de ser lei ou um fim nelas mesmas. Tudo agora é colocado sob o único comando que amarra toda consciência à vontade de Deus: o Amor! 

A tradição estabelece conselhos úteis, mas não irrevogáveis ou até mesmo sacramentais. Por exemplo, não raras as vezes, aquilo que em determinado momento se constituía como uma mera utilidade, com o passar das gerações, acaba por se tornar um dogma eclesiástico. E assim se dá justamente porque se perde o cerne do sentido da tradição, quando não a pratica com o espírito do Evangelho, já que ela vira uma mera expressão automatizada no contexto de um grupo religioso.  

Hoje, a palavra "tradicional", no mundo evangélico, remete à ideia daquelas igrejas antigas, puritanas, por vezes cessacionistas, mas que estavam carregadas de regras sociais e de costumes litúrgicos. 

Contudo, afirmo inequivocamente que não existe ambiente religioso - mesmo as igrejas consideradas "mais modernas" - ou social que não esteja repleto de certa carga de tradicionalismo, pois este é inerente à própria vida grupal. 

Sob um ponto de vista sociológico, até mesmo a ideologia progressista - que estendeu a clássica luta de classes marxista, pois esta inicialmente abrangia a suposta opressão apenas sob uma ótica econômica, para a esfera cultural ao afirmar que a dialética "oprimidos e opressores" nasce já no conjunto de tradições de uma sociedade - em sua batalha contra o que eles chamam de "indução de padrões sociais", terminam se utilizando de seu algoz para impor uma nova tradição, já que "não ter padrões" é em si mesmo um padrão.  

O aumento do número de cristãos marxistas só demonstra que, apesar de motivadas por boas intenções, as pessoas em nada têm entendido o poder verdadeiro do Evangelho, reduzindo-o, mais uma vez, a uma mera arma de melhoria social, de modo objetivo. É mais um pretexto para se tentar "mudar o mundo", enquanto que Cristo nos convoca a "mudar a nós mesmos", já que melhorar as condições de existência não significa alcançar a pacificação do ser em Deus, que pode se dar inclusive em meio à precariedade de condições físicas, poia a consciência restaurada já não depende em nada do mundo exterior para viver uma vida abundante.  

Agora, voltando às tradições religiosas, se hoje muito se reclama de uma igreja superficial, isso ocorre justamente pelo modelo pelo qual é professada a crença da maioria das pessoas; não há um resgate do sentido por trás do rito para que a consciência seja edificada pela mensagem. Rituais não edificam a alma humana, que é interna, mas sim a Palavra, que até pode ser manifestada por um ritual desde que este não seja um fim nele mesmo, apontando sempre para o bem da vida e jamais o subjugando.  

Em Cristo, que a maior tradição seja, na verdade, a única que realmente importa, subjugando todas as outras: o amor a Deus e ao próximo. 



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