O que hoje indefinidamente é chamado de fé pela
maioria das pessoas que participam de alguma denominação cristã, principalmente
a Evangélica, não passa de crença superficial e misticista.
Isso porque, em geral, não há um anseio de se
encarar a Verdade do Evangelho, que confronta a nossa verdade subjetiva,
exigindo assim uma adequação pela sujeição ao controle, vontade e propósito
divinos.
Muito pelo contrário: o que se busca são ações,
palavras, modelos e rituais que teletransportem a pessoa para um outro mundo,
onde o que se tem por objetivo, bem como somente o que se quer enxergar acerca
das circunstâncias, é o que norteia e dá sentido a todo o modelo de vida
praticado, de modo que a divindade se transforma num mero executor da vontade
humana.
É como um usuário de drogas, que se entorpece para
tentar não perceber as mazelas trágicas que circundam o seu meio, preferindo a
fuga a enfrentar com intrepidez os desafios de sua realidade até que as soluções
sejam encontradas, ainda que estas não se manifestem do modo como se
consideraria o ideal pelo senso humano imediatista.
Assim, enquanto o Evangelho atua convocando o ser
para o enfrentamento da realidade, por intermédio da fé, a crença religiosa e
pseudo-espiritual o retira para um universo em que a prospecção especulativa é
o elemento ilusório que lança a alma em um ciclo de engodo interminável, sempre
fazendo com que se aguarde o momento em que aquilo que se almeja como
determinante para a felicidade seja concretizado por seu eu/deus. É como
caminhar rumo ao horizonte, tentando alcançar o que é inatingível. Por isso, a
crença não passa de entorpecimento de consciência, sempre gerando uma
expectativa que jamais será alcançada justamente pelo fato de que o próprio
Deus não tem - nem nunca teve - nenhum compromisso com aquilo que esse tipo de
alma egocêntrica almeja; mas que é incitado em seus seguidores pelo credo
religioso.
A fé quebra de antemão qualquer pretensão de
controle das situações imediatas, confiando todo o comando ao Deus soberano,
que rege a tudo e todos, mesmo que Ele o faça de uma maneira que, por um ponto
de vista humano e limitado, pareça doloroso e incoerente ao ser em quem se
opera a Sua vontade; entretanto, este mesmo ser movido pela fé somente espera,
em espírito de total submissão, certo de que os parâmetros do Eterno se baseiam
naquilo que o limitado senso de quem é finito nesta existência não pode
precisar com exatidão. Justiça, perfeição, amor, provisão etc, são virtudes e
ações que somente podem ser conceituadas sob a perspectiva de quem é Absoluto,
Infindável...
Desse modo, a Verdade absoluta de Deus, manifestada
no ser humano por intermédio da fé, revela a verdade a respeito deste ser para
que então ele se adéque aos desígnios da Sua Verdade. Em contraste a isso, a
crença simplesmente tenta se utilizar dos preceitos da Verdade divina,
deturpando-os a fim de que eles conspirem a seu favor, não se adequando às suas
exigências, mas usurpando seus benefícios para o seu proveito sem permitir que
ela aplique qualquer tipo de influência sobre a essência do eu de quem a segue;
a "vontade de Deus" se torna o pretexto mais que conveniente para que
se pleiteie implicitamente a vontade humana, pois, para um mero crente nesse
sistema, aquela é totalmente confundida com esta.
Portanto, todo tipo de ritual, mover, mecanismo,
enfim, qualquer coisa, que tente em si mesmo manipular um suposto poder, seja
este a quem for atribuído, para o seu exercício de acordo com o querer de quem
o utiliza, não passa de misticismo, magia ou bruxaria, não podendo jamais ser
comparado com a pratica e a vivencia do Evangelho. Seu efeito é extremamente
destrutivo para o discernimento da pessoa, escravizando seus praticantes
inconscientemente em um ambiente religioso de aparência e eterna instabilidade
espiritual.
No Evangelho, não há a pretensão de tentar manipular
sua realidade ou de se refugiar naquilo que se quer acreditar. A Paz de Cristo
se dá não pela comodidade ou sossego próprios de alguém que conquistou tudo o
que almejava. Ela ocorre porque agora o propósito existencial foi plenamente
encontrado no momento em que se cumpre unicamente a vontade de Deus, sabendo
que tudo o que acontece é primeiramente para Sua glorificação e que a vida
humana é simplesmente um instrumento para tanto.
Não existe mais qualquer interesse em alcançar os
desejos de sua vontade, mas em cumprir bem o seu propósito - se tornando pleno
enquanto ser que já não vive futilmente. Essa é a Paz que se opera no espírito
de quem crê, de quem quer ser usado ao invés de querer ter alguma coisa.
Essa é a verdadeira fé, que leva a pessoa a
transcender-se e não somente a se auto afirmar; que não manipula o mundo/meio
em que se está por algum tipo de poder misticista; que transforma a sua
percepção, de maneira que o Reino invisível de Deus poderá ser contemplado
naquilo que não o era por causa dessa mudança de perspectiva.
Portanto, é isso que significa andar por fé e não
por vista. Tudo o que saia disso não é Fé, não é Graça, não é Evangelho!
Obs: Exemplos de crença ilusória podem ser
observados em todos os rituais que se utilizam da confissão positiva para reafirmar
a vontade humana no indivíduo, e que se revestem dos mais diversos nomes como:
rhema, o famoso "eu profetizo..." e "eu determino...", todo
tipo de expectativa egocêntrica atualmente denominada de "promessa ou
sonho de Deus", o movimento de "mover no Espírito" que apenas
aflora o emocionalismo histérico, tornando a pessoa ainda mais refém de seus
interesses e anulando qualquer tipo de discernimento, que se opera
exclusivamente na consciência, dentre outros.